O Estádio Cidade de Barcelos vestiu-se a rigor este sábado, mas não para o seu habitual inquilino. O relvado, habituado aos combates renhidos do Gil Vicente, equipa que este ano tem conseguido um excelente percurso na I Liga, foi palco de um daqueles rituais quase míticos da Taça de Portugal: o gigante que desce à província para enfrentar o coração valente do futebol português. De um lado, o Celoricense, representante do Campeonato de Portugal, a quarta divisão, carregando nos ombros o sonho de uma noite eterna. Do outro, o FC Porto, um dos titãs do futebol nacional, com a obrigação fria de cumprir o guião.
E, como em tantas outras histórias, o guião cumpriu-se. O FC Porto venceu por 4-0, num resultado que, mais do que a demonstração de um abismo competitivo, foi a materialização do expectável. A magia da taça, desta vez, não conseguiu tecer uma teia de surpresa à volta dos homens da turma beirã.
Os primeiros minutos até permitiram algum devaneio. O Celoricense, de peito aberto e pernas a tremer – mas a tremer de emoção, não de medo –, tentou ocupar o seu espaço. Houve uma ou outra investida, uma correria para o registo fotográfico, um momento de presença no meio-campo defensivo do FC Porto mas longe da baliza à guarda de Cláudio Ramos. Era, ainda assim, o cumprimento do protocolo do futebol romântico: mostrar garra, honra e que se ali estava por mérito.
Mas a realidade, implacável como um contra-ataque bem ensaiado, impôs-se logo ao nono minuto. Um canto na direita, uma subida intempestiva na área, e o central Bednarek apareceu, sozinho, para com a cabeça desatar o nó da ansiedade portista. 1-0. O golpe de realidade. O momento em que se percebe que o talento individual, a qualidade tática e a estatura física são variáveis demasiado pesadas para a coragem anular.
A partir daí, o jogo transformou-se num exercício de gestão para o FC Porto e num teste de resistência para o Celoricense. Os dragões, sem precisar de forçar a máquina, rodaram a posse de bola, procuraram os espaços e controlaram o ritmo como um maestro que conhece a partitura de cor. Ainda assim, o resultado do melhor futebol portista só traria resultados na etapa complementar já que o conjunto de Celorico conseguiu regressar aos balneários para o intervalo a perder pela diferença mínima.

Foi então no segundo tempo que entrou em cena o internacional espanhol Samu Aghehowa. Se o primeiro tempo foi o adeus ao sonho celoricense, o segundo foi a sua consagração pessoal. Aos 51 minutos Bednarek ainda enviou a bola ao ferro da baliza da equipa celoricense, mas foi ao minuto 62 que surgiu o 2-0. Dois minutos depois de entrar em campo, e na primeira vez que tocou na bola, Samu rodou sobre si próprio e rematou para a baliza, assinando o segundo golo do jogo.
Aos 71 minutos, a sua assinatura no jogo tornou-se mais vincada. Um pontapé de canto batido por Bednarek encontrou Samu ao segundo poste onde, de cabeça, bateu uma vez mais o guarda-redes Gonçalo Luís. 3-0 e o hat-trick em perspetiva, que não se fez esperar. Aos 73 minutos, William Gomes, depois de um passe magistral de Bednarek, assistiu Samu em condições ideais para este completar a sua obra-prima. 4-0 e o triplete consumado.
O resto do jogo foi um prolongado aperto de mãos. O FC Porto podia ter aumentado a contagem, mas o respeito pelo adversário falou mais alto. O Celoricense, exausto mas de cabeça erguida, já lutava por honra, pelo resultado mais digno possível perante uma força contra a qual pouco ou nada podia fazer.
No final, as ovações foram para ambos. Para os heróis de camisola listada a branco e negro, que viveram o jogo das suas vidas, e para os profissionais de azul e branco, neste jogo a equipando em tons de rosa, que fizeram o seu trabalho sem alarido, com a eficácia que lhes era exigida.
O FC Porto segue na Taça de Portugal. O Celoricense regressa à sua realidade, mas leva consigo a memória de ter partilhado o relvado com gigantes e a certeza de que, por uma noite, foi o centro do futebol português. A taça é feita destes encontros desiguais, onde, por vezes, a única magia que resta é a de simplesmente estar lá.








