Em São Miguel, onde o Atlântico empresta à noite uma bruma que tudo cobre, foi o futebol que ficou às escuras no jogo entre o Santa Clara e o Sporting. Depois de 90 minutos de luta, de golos bonitos e de tensão acumulada em face da incerteza do resultado final, à entrada para os seis minutos de compensação dados pelo árbitro João Pinheiro o relógio parou. E durante 12 minutos — uma eternidade em qualquer estádio — o jogo suspirou, refém de uma sala de videoárbitro e de um árbitro que hesitou no campo.
O lance foi rápido: um cruzamento, Morten Hjulmand cai na área após um contacto com Tiago Duarte e João Pinheiro, o árbitro, nada assinala. Segue-se o silêncio. Depois, o aviso do VAR, Rui Silva e o jogo congelado em modo de espera. Doze minutos, nove para a análise, mais três para João Pinheiro caminhar até ao monitor, observar e, enfim, apontar para a marca de penálti, justificando com uma carga do jogador número 80 sobre o jogador número 42 do Sporting. Doze minutos no total — um número que ficará ligado a esta noite. Na bancada, o desconcerto; no banco do Santa Clara, a revolta silenciada com cartões vermelhos exibidos por João Pinheiro para expiar a sua decisão sem base que a justificasse.



Chamado a converter a grande penalidade, Luis Suárez não falhou: 2-2 aos 90+16 minutos. O prolongamento, já com os açorianos reduzidos a dez desde os 89 minutos, após expulsão de PV depois de uma quezília em que a correção impunha que fossem expulsos um elemento de cada equipa – no Sporting o lateral Iván Fresneda apenas viu o amarelo –, era agora uma sentença psicológica. E o conjunto leonino, renascido de uma decisão que parecia improvável, fez o inevitável: Fotis Ioannidis, de cabeça, carimbou a cambalhota ao assinar o terceiro golo para o Sporting (2-3) e a consequente passagem aos quartos de final da Taça de Portugal.
“Um dia negro
para o futebol português”
Mas o resultado, em vez de celebrar a luta, sepultou-a. Vasco Matos, treinador do Santa Clara, resumiu o sentimento com uma frase cortante: “Hoje é um dia negro para o futebol português”. Não foi apenas a eliminação; foi o modo. O mesmo árbitro, João Pinheiro, já tinha história de polémicas com o Sporting, mas desta vez o papel invertido — um benefício duvidoso — manchou o desfecho. Nas redes sociais, a indignação ecoou: “É suficiente para nos fazer parar de acreditar no futebol”, lia-se num comentário. “Somos chefes de família, merecemos respeito”, afirmava na flash Luís Rocha, defesa do Santa Clara que deixava claro o sentimento de revolta e frustração no grupo de trabalho da turma açoriana pela forma como foi construído o resultado final desta eliminatória.



O jogo, em si, tinha tido mérito. O Sporting abrira o marcador com um golo brilhante de João Simões, o Santa Clara respondera com um remate de longa distância de Lucas Soares. A virada açoriana, aos 85 minutos, saíra dos pés de Gabriel Silva — um momento de inspiração que parecia ditar a história —, e de repente eis que o tempo parou por ume decisão do VAR Rui Silva, ele que virou afinal um VIR “Very Important Referee” e que deixou a convicção geral que quis analisar o lance ao detalhe até encontrar uma falta que pudesse permitir a grande penalidade que nem existiu. Ficava ali em causa o jogo realizado até então, o resultado final e, para muitos, a credibilidade.
Rui Silva e João Pinheiro
eliminaram o Santa Clara
A crónica desta noite acaba por não se escrever apenas em golos, mas também nos nos 720 segundos de paragem, suspense digno de Hitchcock, até ao rosto contido de Vasco Matos, prolongado até ao silêncio atordoado das bancadas. É que o VAR, apoiado na tecnologia feita para lançar luz sobre as dúvidas, acabou neste caso por prolongar as sombras, levando-nos a questionar sobre o que poderá salvar o espetáculo do futebol e a respectiva credibilidade que cada vez mais anda pelos relvados da amargura? Em São Miguel, a resposta foi o apito final. E um amargo sabor de paragem e apatia alimentado durante 12 minutos.




O Sporting acaba assim por seguir em frente na Taça de Portugal, deixando pelo caminho um Santa Clara que, há que o dizer sem receios, foi eliminado por um VAR que quis à viva força encontrar um argumento para recolocar o Sporting no caminho do triunfo, e um Pinheiro, que ao jeito de um qualquer pinheiro de Natal, quis colocar sob a sua sombra uma prenda para os pupilos de Rui Borges.
Curiosamente, João Pinheiro, que até está entre os pré-convocados para estar presente no Mundial de Futebol de 2026, poderá ter hipotecado aqui a possibilidade de marcar presença nessa prova de tão grande dimensão, depois de um erro repartido com o VAR mas que ele, Pinheiro, enquanto árbitro principal, tinha de ter tido coragem para assumir a sua primeira decisão quando de facto nada assinalou. Não o fez, embarcou na tese da grande penalidade defendida por Rui Silva, e errou! Convenhamos… “Não havia necessidade!”









