Faleceu esta terça-feira, 2 de dezembro de 2025, aos 67 anos, a jornalista e comentadora política Constança Cunha e Sá, uma das vozes mais distintas e intelectualmente estimulantes do panorama mediático português. A sua morte, consequência de um cancro do pulmão, ocorreu na instituição Irmãs Hospitaleiras, em Lisboa, onde se encontrava em cuidados paliativos. Deixa um vazio profundo no jornalismo, na análise política e em todos quantos valorizam o pensamento independente, a escrita afiada e o carácter inabalável.
Nascida em Lisboa a 23 de agosto de 1958, Constança Cunha e Sá licenciou-se em Filosofia e exerceu a docência durante três anos antes de encontrar a sua verdadeira vocação. Iniciou-se no jornalismo aos 29 anos, integrando a primeira geração da revista Sábado, então dirigida por Joaquim Letria. Foi, no entanto, no semanário O Independente que a sua carreira ganhou contornos definidores. Recrutada por Paulo Portas, que nela reconheceu um talento singular, ali se estabeleceu como uma força da natureza do jornalismo político. Ascendeu a diretora-adjunta e, posteriormente, a diretora do jornal, marcando uma geração com reportagens de requinte literário, crónicas incisivas e um sentido de humor tão retorcido quanto inteligente.
Mais tarde, foi redatora principal do Diário Económico e, a partir dos anos 2000, tornou-se uma presença incontornável no ecrã da televisão portuguesa. Integrou a redação da TVI, onde foi editora de Política e uma das âncoras da análise política na TVI24 (antecessora da CNN Portugal). O seu estilo era frontal, a pergunta certeira e a argumentação lúcida, tornando-a uma entrevistadora temida e respeitada por figuras de todo o espectro político. A sua saída da TVI em 2020, justificada por “uma questão de dignidade, saúde mental e higiene” face a mudanças na administração, foi emblemática da sua integridade. Regressaria, contudo, em 2021, para prosseguir o comentário político.
O Legado: Inteligência, carácter
e uma ironia inconfundível
Constança Cunha e Sá não era uma jornalista que se deixasse rotular. Como definiu o ministro Paulo Rangel, era “inteligente, culta, frontal, com tanta ironia quanto exigência. Nela encarnou o escrúpulo jornalístico”. Vinha de uma tradição de direita, mas a sua pena e o seu raciocínio crítico eram implacáveis para com todos os poderes, fossem de que espectro político fossem. Feroz crítica do “cavaquismo”, zurzia com igual vigor o “guterrismo” e o que considerava conversa política vazia.
O seu texto era uma arma de precisão. Adorava as “insignificâncias” da política, os pequenos gestos e lapsos que revelavam a essência dos protagonistas, que dissecava com uma profundidade psicológica rara, temperada com ironia e sarcasmo cortante. Para além da política, era uma amante assumida da literatura e da música clássica, géneros que a acompanharam a vida toda e que alimentavam a sua vasta cultura.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, destacou-a como “uma figura singular do jornalismo português”, sublinhando a sua independência de pensamento e o “constante sentido de responsabilidade cívica”. Líderes de diversos partidos, de Rui Tavares a Carlos Guimarães Pinto, lamentaram a sua partida, reconhecendo nela uma interlocutora estimulante, com quem as discordâncias eram sempre um exercício de inteligência.
A Despedida
Constança Cunha e Sá lutou contra a doença com a mesma coragem com que enfrentava os desafios profissionais. Manteve-se, até ao fim, fiel a si própria. Sobre o seu hábito de fumar, que manteve durante décadas e que apontou como um dos seus “prazeres”, foi sempre frontal: “Fumo desde os meus 16 anos e para ser honesta nunca pensei nem tentei deixar de fumar”.
Constança Cunha e Sá parte agora de uma forma precoce, permitindo uma perda irreparável para o debate público português que fica mais pobre. Descanse em paz, Constança.
LusoNotícias
foto: ©TVI
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